terça-feira, 15 de setembro de 2015

Alerta vermelho



Faz um tempo que coloquei as botas de molho.
Continuo fazendo pautas rurais, sim. 
Continuo apaixonada pelo que faço, sim, mas meio no automático.
Talvez algumas circunstâncias tenham mudado algo, mas sinto que não estou sendo eu faz um tempo.
Se estou, não estou sentindo, estou anestesiada.
Anestesiada pela dor, pelo cansaço, pela correria do relógio, que não me deixa viver, me dá poucos momentos de prazer.

Sabe o filme argentino Relatos Selvagens? As vezes me pego quase explodindo. E me pergunto, pode o ser humano chegar a esse ponto? Ninguém percebe? Ninguém sai por ele? Consegue ele sair dessa sozinho?

No meu caso. Será exagero? Será normal? Todo mundo passa por isso... e se for depressão? Essa vontade de não querer sair da cama.. E se for crise dos 30? Quatro anos mais cedo?

Eu quero trabalhar, mas não quero isso em primeiro lugar. Quero minha família. Quero parar de pagar contas, parar de viver correndo atrás da máquina. A vida é só isso? Ou eu posso fazer o que e me faz feliz? Será que tem alguma coisa de errado mesmo com minha vida ou é a forma como eu estou encarando e o problema está em mim?

Sigo com a dúvida. Sigo calçando minhas botas. Rumo ao campo. Ruma as casas. 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Qualidade do fumo?

De: "Cristiano" 
Para: "cassia medronha"
Enviadas: Sábado, 19 de julho de 2014 22:41:50

Assunto: eslcarecimento

Sra. Cassia Medronha - boa noite,
sobre matéria do DP de 18 jul 2014,
"Fumicultores sentem baixa nos preços",
especificamente este conteúdo
"...prejudicaram  a qualidade das folhas...",
o que significa isto?
Att.
Cristiano*

*nome fantasia

De: "cassia medronha"
Para: "Cristiano"
Enviadas: Segunda-feira21 de julho de 2014 17:17

Assunto: RE eslcarecimento


Olá Cristiano
Durante o processo de secagem das folhas de fumo a interrupção por falta de luz (quando usadas secadoras elétricas) prejudicam a qualidade das folhas secas de fumo, rebaixando a classificação e, consequentemente, a remuneração ao produtor.
Att, Cássia

De: "Cristiano" 
Para: "cassia medronha"
Enviadas: Segunda-feira 21 de julho de 2014 23:09

Assunto: RE eslcarecimento

Boa noite Cássia,
tens ideia das consequências de fumo -  
sobre o usuário? o não usuário? inclusive sobre o fumicultor?

Mundialmente considerada como droga, embora lícita,
será impossível receber uma classificação de "qualidade".

caso tenhas interesse posso enviar alguns dados.
Saudações
Cristiano

De: "cassia medronha"
Para: "Cristiano"
Enviadas: Terça-feira, 22 de julho de 2014 10:42

Assunto: RE eslcarecimento

Ah entendi onde você quer chegar, na verdade já desconfiava.
Cristiano, eu sei muito bem os efeitos sobre o usuário, o não usuário e inclusive sobre o fumicultor. Não precisa me mandar nada porque minha editoria é RURAL e enquanto a droga for lícita, consumida no mundo todo e produzida no mundo todo e for considerada fonte de renda para o produtor na agricultura, assim como grãos e hortaliças, eu tenho que noticiar de forma imparcial. Aliás já noticiei, se deres uma olhada no site, ações para reduzir gradativamente o fumo nas propriedades rurais e as ações da ANVISA com os agricultores mostrando alternativas de produção.

Também não sou a favor dos produtos transgênicos e do uso de agrotóxicos, sei dos efeitos nos organismos e ambiente, mas essas práticas ainda dominam a agricultura local e sempre que posso noticio também a alternativa.

Qualidade na classificação é um termo técnico no momento da comercialização. Já entendi que para você um droga como esta e a palavra qualidade não andam juntas. Isso ficou claro. 

Atenciosamente, Cássia Medronha

De: "Cristiano" 
Para: "cassia medronha"
Enviadas: Quinta-feira, 
24 de julho de 2014 0:12

Assunto: RE eslcarecimento

Sra. Cássia boa noite,
revelar sobre qualidade do fumo, é fazer 
propaganda para a indústria do tabaco, infelizmente.
A informação deverá ser imparcial - qualidade da droga
não caracteriza este tipo conduta.
Dados recentes sobre o tabaco no Brasil, referem
que 7 fumantes passivos morrem por dia. Isto é grave.
Nem todos conhecem estes dados, infelizmente.
O fato de ser vendido no mundo todo, não diminui este agravo.
A tendência mundial em consideração ao fumo em ambientes
doméstico, de trabalho e lazer encaminha-se para 
o entendimento de Abuso de Poder. Coisa séria.
Embora resistas, tens que buscar mais informações, cada vez mais.
Nem mesmo as duas guerras mundiais mataram tanto
quanto o tabaco. 
É muito triste. Mas, como dizes é lícito...

Saudações
Cristiano

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Enquanto for lícita e considerada fonte de renda para agricultores, e infelizmente é para muitos, grande maioria da Região Sul do RS, tenho que noticiar. Não tem como usar um termo técnico "qualidade das folhas" de forma imparcial. Mas no jornalismo tem muito dessas coisas, este retorno do leitor é bom. Prefiro assim, com possibilidade de diálogo e defesa, do que quando ligam para o jornal, falam um monte de desaforo, não se identificam e desligam na nossa cara. 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Cota com a humanidade

- Descobri naquele momento que aquela era a minha cota com a humanidade - descreve agricultor Juarez Felipi Pereira com os olhos marejados.

Tem como não se emocionar como uma história dessas?
Vou contar:

Acontece que o agricultor de Barra do Ribeiro trabalhou por 30 anos na atividade agrícola convencional, com uso de agrotóxicos. Há 12 passou por um período de reeducação alimentar e converteu a produção para o cultivo orgânico. Na tentativa de resgatar variedades crioulas, como o arroz farroupilha presente em sua família por mais de 80 anos, conta ter tido uma especial lembrança do que já fazia com sete anos de idade.

- Tive um Insight, foi como se eu, com 44 anos, andasse de mãos dadas comigo mesmo ainda menino. Foi um momento fantástico, cheio de vida - completa emocionado.

(Na verdade acho que ele quis dizer Déjà vu, que é uma reação psicológica fazendo com que sejam transmitidas ideias de que já se esteve naquele lugar antes)

Ele conta que há 12 anos se identifica com uma responsabilidade e viveu um momento especial na sua vida ao se dar conta desse papel. O autoconhecimento fez com que o agricultor agisse imitando um pesquisador, fazendo relatórios dos seus cultivos sem saber se um dia seriam vistos e sem imaginar que, mais tarde, seria chamado de guardião de sementes crioulas.

Hoje com 56 anos, mantém 36 variedades de arroz crioulo, 12 com destino comercial em feiras. Os chamados guardiões são vistos atualmente praticamente como heróis, já que preservam o patrimônio cultural das espécies, proporcionam segurança alimentar pra humanidade e por toda a dedicação a que se submetem.

As sementes crioulas são as adaptadas a um ambiente específico, de determinado local, ao longo de muitos anos. Cada uma adquire características regionais e culturais, contribuindo com a biodiversidade e segurança alimentar das famílias mantenedoras, já que se tornam mais resistentes e menos dependentes de insumos.


O trabalho dos guardiões consiste em manter e preservar variedades locais de sementes ao longo dos anos. Na prática, exige muita dedicação, já que é diferente de produzir alimentos. A semente é delicadamente retirada da planta antes da formação do alimento em si. Além disso as variedades ficam sujeitas ao clima e interferência transgênica ou química de vizinhos. Ainda é praticada a troca entre guardiões da mesma região ou de territórios diferentes para teste em cada local, podendo essa se manter ou dar origem a uma nova semente. 

Geralmente os guardiões trabalham sozinhos, com muita dedicação e de acordo com sua realidade para selecionar e manter espécies. O envolvimento não é compreendido por quem vê as sementes puramente como um meio para a produção de alimentos, comercialmente.

Não sei se consegui transmitir o quão especial é o contato com esses guardiões. Tive o meu pela segunda vez em um Seminário de Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar em Pelotas/RS. Na primeira vez (2013), lembro do relato de uma indígena que, de maneira muito simples, contou como mantinha milho e mandioca em sua pequena área de produção. Pequena mesmo, alguns metros.

O que me chamou atenção foi a riqueza de uma simples observação:

- Quando damos espiga de milho transgênico para os porcos eles não querem comer, deixam no chão. Já as nossas espigas eles ficam doidos só de sentir o cheiro e comem tudo na hora.

A própria natureza aceita o que é natural. Já o que foi geneticamente modificado soa estranho. Os humanos, da mesma forma, se prestarem atenção, conseguem perceber a diferença de um alimento natural e de um modificado. O sabor a cor... os efeitos no organismo. Ainda se busca confirmação da confusão que um alimento transgênico pode causar no organismo humano. Talvez a resposta para tantas síndromes e doenças genéticas.

- Lá na tribo a gente nunca fica doente. Tenho mais de 50 anos de idade e nunca fui no médico, nunca precisei - Disse a índia confirmando meu pensamento.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O filho ficou

O dia estava quente para o mês de abril, as nuvens rajadas riscavam o céu bem azul, um número considerável de carros formava uma fila na beira da lavoura indicando que muitas pessoas se reuniam para um dia de campo sobre cultivares de soja. Apesar de ser uma cena que já presenciei diversas vezes, algo me fez despertar do rotineiro roteiro de apurar as informações.
- Quem pode te responder melhor esta questão é o filho do agricultor, disse a agrônoma responsável pela lavoura.
Um jovem que aparentava ter vinte e poucos anos foi chamado e se aproximou em meio aos presentes. Neste momento me esqueci do foco, a soja, e pensei "ele ficou". E quanto mais ele falava eu pensa "Viva! Ele permaneceu".
A permanência do jovem no campo é muito rara hoje em dia. O trabalho agropecuário é penoso e exige força de vontade e paixão. Os filhos de agricultores, diante das novas tecnologias e possibilidade de estudo, não querem permanecer no campo. Estão acostumado a ver as dificuldades da atividade e não sonham com este futuro.
Quando a propriedade ainda tem tecnificação do procedimento a atividade se torna mais atrativa. Caso contrário, qual é o jovem que quer passar trabalho? Virando a terra, capinando, tirando leite de madrugada, mantendo as estufas de fumo. A população rural passa por um processo de masculinização e envelhecimento nesses dias. A opção de reduzir o número de filhos acompanha o pensamento contemporâneo, reduzindo as probabilidades no campo de um dos filhos querer prosseguir na atividade.
O que isso importa? Quem vai produzir alimentos básicos? Fora das feirinhas, você não notou que os alimentos estão cada vez mais caros? Eles tem que vir de algum lugar, quanto mais longe mais caro. Quem é a favor de políticas públicas para incentivar a permanência do jovem no campo? Quem as aplica? Quem os valoriza?

Minha preocupação vem das dezenas de pautas que fiz, pelo menos na minha região, em que os agricultores, na maioria das vezes com mais de 50, 60 anos, não tinham um sucessor que fosse dar seguimento ao trabalho da família. E quem faz ao contrário? Vai do campo pra cidade?



Foto: Kamilla Alves


Meu coração vibra ao saber que um filho vai permanecer na propriedade e dar seguimento a produção. Apesar de toda a dificuldade, são tão essenciais como professores, médicos, arquitetos... 

Isso me faz lembrar um diálogo que tive em uma reportagem sobre produção agroecológica:

- Meus dois filhos, hoje adultos, foram estudar na cidade. Só tenho o pequeno que é nossa última esperança, mas não queremos pressioná-lo. Ao mesmo tempo nos preocupamos, com 20 anos de reestruturação de um ecossistema para produzir ecologicamente, quem vai dar seguimento a este trabalho. Somos eu, meu marido e o pequeno.
- Seus filhos não se especializaram na área? Não vão voltar?
- Se especializaram, mas não querem voltar, querem morar na cidade.
- Sabe, sei que a vida aqui é difícil, distante do centro, há muito trabalho. Mas na cidade também trabalhamos que nem uns animais, corremos atrás de dinheiro, ficamos doentes, com depressão, tomamos remédios, enquanto parece que a vida aqui é mais saudável.
- É realmente, na cidade tem assalto, violência, isso ainda não chegou aqui. Acho que a vida lá não deve ser tão fácil.

Eu não queria ir embora dali. Queria ficar, comer uma comidinha caseira, ouvir os grilos, fugir da tecnologia, fiquei com medo da cidade.